MIDIOFAGIA | Matéria publicada na Revista Cult em 18/6/18
Assim é que a arquitetura, entalada em lote exíguo, limitada por todos os lados, feita de um aparente provisório, entre andaimes e fragmentos de terra batida, encravada em um bairro cuja riqueza e diversidade têm sido tão maltratadas pela cidade, merece ser gravada no Livro de Tombo das Belas Artes. Tanto pelo que, sem nenhum favor, ela provou ser, quanto pelo instigar sobre o próprio sentido do belo, o belo que, invocando Lina Bo Bardi, seja capaz de demolir dicotomias entre forma e função e de produzir metáforas realizáveis.
– do processo de tombamento do Teatro Oficina
Passado pouco mais de um ano daquele 17 de fevereiro de 2017, quando o escritor Raduan Nassar foi agraciado com o Prêmio Camões e o então ministro da Cultura pode descortinar ao mundo a indigência moral do governo que representava na cerimônia de entrega, o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (contrariando todas as suas decisões anteriores) deu permissão para que o grupo Sílvio Santos construa duas grandes torres que agridem a preservação do patrimônio arquitetônico e histórico do bairro do Bixiga e do Teatro Oficina.
Ainda cabe recurso da decisão, mas é sintomático que um bairro considerado como uma das últimas barreiras de resistência à especulação imobiliária e que mais conta a história da cidade de São Paulo em cada uma de suas ruas e casas receba do poder público não apenas o descaso, mas o desejo manifesto de apagamento e esquecimento da sua memória e identidade.
O movimento Parque do Bixiga congrega moradores e representantes do bairro e defende que o poder público, em vez de capitular ante o poder da especulação imobiliária, faça do entorno do Teatro Oficina um parque de convivência. Com isso, não somente se protegerá o valor arquitetônico, artístico e cultural do Bixiga, como se impedirá que o Teatro Oficina, obra dos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, se descaracterize.
O Teatro Oficina foi tombado pelo IPHAN em 2010 e está sediado na rua Jaceguai, nº 520, há 57 anos. Foi escolhido pelo jornal inglês The Guardian como o teatro mais bonito do mundo. No tombamento, ficou ressaltada a proteção do seu entorno como importante para a preservação do valor material e imaterial do Teatro, devendo o poder público ter realizado estudos para sua preservação.